A audiência pública realizada na Câmara Municipal de Manaus, nesta terça-feira, 4, escancarou uma verdade incômoda: a capital amazonense ainda falha em garantir, com seriedade e transparência, os recursos necessários para a proteção de suas crianças e adolescentes. A reunião, conduzida pelo vereador Raiff Matos (PL), presidente da Comissão de Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso (COMDCAI), reuniu representantes do Ministério Público, delegacia especializada na Infância e Juventude, conselhos tutelares e entidades que operam na linha de frente da assistência social. O que se viu foi um contraste gritante entre o que consta no “papel” dos orçamentos e a realidade das políticas públicas. De um lado, a rede de proteção trouxe relatos claros: falta dinheiro, falta estrutura, falta prioridade. Segundo a promotora de Justiça da Infância e Juventude, Ynna Breves Maia Veloso, o orçamento atual não enxerga as crianças. “Sem rubrica específica, o acolhimento institucional não existe no papel, e, sem isso, a política não alcança a ponta. A infância está invisível no orçamento municipal”, afirmou. Em sua fala, a promotora reiterou que a ausência de um Orçamento Criança e Adolescente (OCA) inviabiliza o controle social e o planejamento estratégico: “Uma cidade sem estudo técnico sobre suas próprias crianças é uma cidade que age às cegas”. A promotora foi além: “A prioridade absoluta não é discurso: é orçamento. Sem orçamento, politica pública vira promessa. E o que vemos hoje é um espelho que não reflete nossas crianças”. A rede de acolhimento confirmou o diagnóstico: lotação acima da capacidade, suporte financeiro instável e dependência de emendas pontuais. Representando a ponta da linha na rede de proteção, a conselheira tutelar Val Dias também confrontou a apresentação dos números da prefeitura, trazendo o peso da realidade diária. “Aqui os gráficos são lindos, mas lá fora a situação é outra”, destacou. Ela revelou que Manaus opera com uma estrutura deficitária: “A cidade deveria ter 23 conselhos tutelares; só tem 10. Carros, material, equipe: tudo falta. Muitas vezes é o próprio conselheiro que dirige o carro para atender uma ocorrência. E isso está errado — todos sabem que está”. Segundo ela, a insuficiência de recursos atinge também os abrigos: “O SAICA faz milagre, mas sem enfermeiro na madrugada, uma criança acaba no Joãozinho. Isso não é política pública. É improviso”. Para ela, o problema é estrutural: “As políticas são feitas de cima para baixo. Enquanto não houver escuta ativa de quem está na ponta, nada vai mudar. É preciso rubrica, técnica e representatividade política de quem realmente luta por essa bandeira”. Raiff Matos cobra ação efetiva O vereador Raiff Matos que presidiu a sessão foi incisivo: “Sem recursos públicos não há política pública. O princípio da prioridade absoluta, inscrito no artigo 227 da Constituição, está sendo desrespeitado”. Ele expôs um dado alarmante: dos mais de R$ 118 milhões destinados à Semasc no orçamento de 2025, apenas R$ 1,6 milhão foram previstos para o bloco da proteção social especial, que inclui o acolhimento institucional. Percentual irrisório frente à complexidade da demanda. O vereador lembrou que outras capitais — como Recife, Belo Horizonte e Fortaleza — destinam até 25% de seus orçamentos a ações específicas para infância e juventude. “Manaus precisa sair da retórica e alinhar seu planejamento às melhores práticas. Não podemos aceitar que nossas crianças fiquem à deriva por falta de rubrica”, reforçou. Representantes da Semasc apresentaram planilhas com um crescimento projetado de 38,89% no Orçamento Criança e Adolescente entre 2025 e 2026. Defenderam a metodologia, mas admitiram que o avanço é tímido diante do tamanho da demanda. Em outro ponto, a Secretaria cobrou mais participação do Legislativo cobrando mais apresentação de emendas impositivas específicas para a política da criança. A delegada da Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, Mayara Magno, reforçou a urgência: “Cada criança violada representa uma falha coletiva. E é inaceitável que falhemos por falta de estrutura ou articulação. Políticas públicas não se sustentam no improviso”. Raiff Matos garantiu que a COMDCAI irá atuar para inserir rubricas específicas na LOA, abrir diálogo com a Comissão de Finanças da Câmara e mobilizar outras frentes de atuação. “Não é admissível que a infância seja invisível no orçamento. Se a lei garante prioridade absoluta, o orçamento precisa refletir isso”, concluiu.
Audiência Pública expõe falhas na proteção infantil em Manaus
Vereador Coronel Rosses pede CPI para investigar gastos com o festival Sou Manaus – Passo a Paço
O vereador Coronel Ubirajara Rosses (PL) protocolou um requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar os gastos do festival Sou Manaus – Passo a Paço, realizados entre 2022 e 2025 pela Prefeitura de Manaus e pela Manauscult (Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos). O anúncio foi feito durante sessão no Plenário Adriano Jorge, na Câmara Municipal de Manaus (CMM). Rosses afirma que há inconsistências nos dados apresentados pela Prefeitura ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), com falta de comprovação para os gastos elevados informados. “Mais uma vez, o prefeito David Almeida brinca com o dinheiro público. Os números apresentados ao TCE não batem, e os documentos não comprovam os gastos milionários informados”, declarou o parlamentar. De acordo com dados da própria Prefeitura enviados ao TCE, o orçamento do Passo a Paço passou de R$ 2 milhões, em 2022, para R$ 34 milhões em 2025, com declarações de gastos que ultrapassam os R$ 21 milhões neste ano — um aumento de 117,34% em quatro anos. As suplementações orçamentárias destinadas ao festival, ressaltou Rosses, superaram as de áreas essenciais como saúde, educação e segurança, o que, segundo ele, revela uma “inversão de valores e prioridades”. O vereador destacou ainda que, além dos recursos municipais, o evento recebeu R$ 6,9 milhões via Lei Rouanet entre 2023 e 2025. No entanto, os valores de patrocínios por empresas privadas não foram informados pela Prefeitura, que alegou que as empresas realizaram pagamentos diretos a fornecedores, impedindo assim a rastreabilidade desses repasses. “O poder público não pode terceirizar a transparência. É inaceitável que a Prefeitura diga não saber os valores dos patrocínios”, criticou Rosses. Entre os documentos analisados, o vereador aponta ausência de notas fiscais, relatórios de execução contratual, termos de atesto de serviços, publicações no Portal da Transparência e evidências de liquidação de despesas, contrariando a legislação. Empresas como Ecoart Soluções, Bergamasco Locações, Barra Som, MF Produções e Toilets Produções são citadas como beneficiárias de contratos milionários sem comprovantes de execução. Para que a CPI seja instaurada, são necessárias 14 assinaturas dos 40 vereadores em exercício. “Iniciamos a busca pelas assinaturas e faço um apelo aos parlamentares e aos cidadãos: pressionem pela criação de uma CPI séria, que zele pelo uso correto do dinheiro público”, enfatizou Rosses, que cita o artigo 67 do Regimento Interno da CMM como fundamento legal do pedido. “O Passo a Paço virou o símbolo da farra com o dinheiro público. O povo de Manaus merece saber para onde foi cada centavo”, concluiu o vereador.